ABUELA TERESA
Eu tenho uma estrutura interna que suporta grandes conexões, apesar da baixa estatura.
Essa é a senhora Teresa, a minha abuela venezolana. Nascida em 11 de Julho, canceriana como yo.
Nos encontramos na cidade de Mérida e ela me alugou um quarto na sua casa, e outro no seu coração.
Essa foto é do dia da minha formatura, e foi tirada pela minha mãe.
Dona Teresa foi parteira, enfermeira, vendedora, militar, mãe, sabia um pouco de tudo, e fazia arepas bem cedinho pra acordar a gente. No café, ensinou que misturar um pouquinho de chá de hortelã na xícara já servida nos traria mais clareza no dia. Privilégios de conviver com ela.
Senhora Teresa criou e compartilhou a vida com seu filho César, que conheci já adulto, que possuía grau de autismo e me ensinou a jogar xadrez. César fez pra mim em território ditatorial o melhor pie de limón, torta de limão, da minha vida. Receita de domingo. Há memórias mais vivas do que eu poderia desenhar ou escrever.
É um grande presente poder perceber a vida dessa maneira. Guardando os ensinamentos.
Como contadora de história que sou, e guardiã de antigos ritos e costumes, percebo uma necessidade de voltar para a sala de aula, de uma outra maneira.
Hoje mesmo acordei com o meu gato e sua pata ferida. Corri para fazer um preparado de aipo (o famoso salsão), camomila, tansagem seca e outro punhado recém colhida, cidreira e água, para limpar o ferimento do bichano durante todo o dia. Processos que nos acontecem e vamos lidando com eles, auxiliando através das plantas, e dessa maneira aprendendo e nos curando também.
Nessa dia da foto era minha formatura de Turismo. Saímos para almoçar num restaurante italiano da cidade com familiares e amigos. Para a colação de grau como tal só recebemos dois convites da univerdade, fiquei muito contente em separar um para minha mãe e outro para minha avó Teresa.
Mas tão especial quanto a colação foi o almoço compartilhado.
A vida, repleta de curiosidades andinas e gastronômicas para o meu paladar naquela época, era organizada da seguinte maneira: aos sábados iamos na Feria del Soto Rosa, que era um quarteirão de produtores locais vendendo sua colheita desde bem cedo até a tardinha. Eu sempre gostava de ir tomar café da manhã lá: el típico desayuno con cachapas de maíz con queso.
Por boas vezes, dona teresa e eu combinávamos nossa semanal caminhada até a feira; e com nossas sacolas ecológicas cheias e estômagos felizes voltávamos pra casa de tuki-tuki,e partilhávamos tantas outras histórias.
Algumas vezem havia "páro" - que era greve. E outras, os tupamaros fechavam os portões dos condomínios da cidade com correntes e cadeados e ateavam bombas de gás lacrimogênio que faziam a gente tossir - mesmo que de janelas fechadas. A eleição forjada que seria garantindo tal governo no poder não amedrontava nem dona Teresa, nem aos estudantes universitários, e nem a mim, como estrangeira. Era tudo muito experimental e oportuno. E viver naquele momento com aquelas pessoas era grandemente enriquecedor. Coisas que na moeda dinheiro não se pode definir valor.
A organização dos armários da cozinha eram detalhamente específicos. Não de uma maneira obsoleta, chata ou controladora, mas como quando se recebe um filho em casa. Eu tinha o meu espaço e compartilhávamos risadas, música, tempo na cozinha e refeições. Era um grande presente observar o presente de estar naquele hogar.
A espiritualidade transcorre paredes, sejam elas de concreto, ou de madeira. E como tudo é átomo, a energia e egrégora daquela época - que ainda estão em mim apesar dos anos - me fazem retomar o cuidado com tudo aquilo que é do outro, e consequentemente tudo aquilo que é meu.
Desde os 18, quando recebi uma colombiana em casa - e ainda morava com os meus pais - aprendi que quando temos a oportunidade de compartilhar tempo com alguém, seja essa outra pessoa famosa ou anônima, seja por que convidamos ou porque a vida a convidou, seja por agrado ou por necessidade, por ajuda ou por compartilhar gastos; nunca devemos de fato exalar os motivos aos quatro ventos, ou dizer a terceiros o que diz respeito apenas aos que partilham da mesma realidade e lar. Isso é ser família. Hakuna Matata. E por todos os lugares e pessoas por onde passei, me orgulho em dizer que conheci muito mais gente da minha família.
Eu prometi a dona Teresa que levaria ela pra conhecer o mar, e todas as vezes que vou a praia depois dessa promessa levo ela comigo, no meu coração. Mostro a areia, a água salgada, as comidas diferentes, os cachorros, a vida acontecendo em geral.
Quando eu soube da partida de Teresa, lembrei do último abraço que dei nessa minha amiga, e da foto que revelei e lhe entreguei num porta-retrato. Essa nossa despedida foi realmente digna de ser a última.
Gracias por todo.
No podría haber querido otra abuela.
"Dios me la bendiga, mi hija."
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Teresa y yo.
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