RECORTES DE SETE MESES HABITANDO UMA VIDA SEM VOCÊ
Não é que você não esteja aqui, pelo contrário.
Não é porque não te ouço ou te vejo que eu não te sinta ou te escute.
Caramba .. olha tudo isso amor .. olha o seu Rio Grande do Sul. Habitar uma época de catástrofes climáticas e ver como um lugar que nos guarneceu e alimentou por tantos anos, que tanto nos ensinou e transmitiu se inunde dessa maneira.
Daqui a dez dias é data de seu aniversário solar, e cá estamos.
Cá estou.
Observando e em alguma parte de mim tentando racionalizar e compreender aquilo que não tem compreensão: ação e reação. Estarmos humanos. Estarmos habitantes dessa madre, organismo gaia.
Ainda que eu queira, não dá pra voltar pro sul do país agora e fazer uma cerimônia de cinzas com reggae e alguns dos nossos amigos. Não dá pra salvar todos os animais. Não dá pra retornar ao que era. Não dá pra falar com todo mundo. Não dá pra trazer cada pessoa que nosso coração ama pra perto. Não cabe essa quantidade de família dentro do apartamento onde eu moro, aqui na minha mãe.
É complexo se importar. É complexo chegar a uma neutralidade e pensar como yogi, que nosso centro não deve se desmoronar quando fatores externos se apresentarem diante da grandeza da vida. Essa acredito ser a força motriz, o tuz, o equilíbrio que tanto buscamos alcançar.
As vezes seu pai me manda mensagem. E eu lembro de cada vez que você recebeu uma mensagem dele. Ou fomos lá almoçar. Ou tentamos algo diferente, uma conversa, uma abertura. Lembro das vezes que você foi pra casa dele. Das conversas.
Ele me pede algumas coisas esquisitas. Manda mensagens, apaga. Grava áudio, desiste. É engraçado pra uma bruxa ter um sogro pastor.
Licença poética para usar os parentescos no presente, pois na minha linguagem, estar viúva não coloca os parentescos em verbos conjugados no passado.
De maneira geral, em lua crescente em leão e sol em touro, é chegado um momento de tomar algumas decisões importantes para coisas da matéria.
Do que mais sinto saudade do sul é das pessoas circulando na minha casa. E não digo apenas a casa, ou o apartamento em que morei por seis anos, mas a sensação de poder acolher pessoas num contexto lar, por mim co-criado e materializado, num inteireza de paz e abundância, como sempre me lembra minha amiga Jessica.
Não sinto saudade do frio, ou das chuvas, ou dos dias intensos vivendo um sistema hoteleiro e turístico, ou das temporadas de natal exaustivas - onde sim, aprendemos muito e crescemos como profissional e indivíduos, mas saímos completamente destruídos e massacrados por esse mesmo sistema. Alguns sem documentos justos de rescisão, ou cartas de recomendção devidas.
Mas sinto saudade da comunidade kaingang, dos meus amigos de anos, do ateliê, dos projetos do mestrado, da economia regenerativa, da feirinha ecólogica e cultural de canela, do lago, do silêncio, das cachoeiras, dos mirantes, dos orgânicos, da rádio clube, de pedalar, da pista de skate, da casa da árvore, da horta, dos animais, das araucárias, do bioma, do rezo, das cantorias em volta do fogo, do pinhão, do chima, das pessoas.
Meu presente é mar, amigos antigos, irmão morando pertinho, bicicleta praiana que uma amiga emprestou como veículo, centro urbano, barulho, movimentos sociais, política, mulheres, economia solidária, projetos, assessoria, aulas de inglês, fazer música, editais, cultura, fé, luto, e centramento.
Eu que sempre mantro respirar e ver o lado bom, "as coisas que você só vê quando desacelera" recebo esse dia um de ciclo com: céu nublado, café e a aula número cinco da XI turma do curso MovReCam da UNIFESP, ano 2024.
Vaya vida!
gira roda y vai girando.
Ao hoje, damos graças. Ao meu esposo, respiramos em calma, amor e bons aprendizados.
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