TERRITÓRIO ICARAHY, SOB O SENTIR DAS ANTIGAS NARRATIVAS



Esses dias me foi dado um presente. Mais que um eu diria.
Após rezar o fogo, no presente aprender pela manhã caminhei pela orla da Praia de Icaraí, pós natação, para visitar a Feira de Economia Solidária do Ingá. Nesse mesmo dia teria uma reunião e uma tarde de trabalho culminada com pôr do sol em outra orla, na Praia de São Francisco.

Estar em observância de apus, rochas, montanhas e mares me leva a um lugar muito particular de memórias, dentro de mim e daquilo que sou.

Todas as vezes que estive em contato com o saber de um território aprendi que o melhor do conhecimento é o compartilhar. Se pela manhã eu contemplava a Pedra de Itapuca sozinha, relembrando a magia vivida há dois anos, pela noite, um guardião e grande amigo contemplava junto comigo, após um passeio muito mais que especial, bicicletando madrugada a dentro, para admirar a mesma porém agora outra, esfinge ancestral.

Quando um apú se mostra, ou um ser se revela, é de alta frequência e estima, tal cuidado, demonstração e ensinamento. Vimos juntos. Entendi em alguns minutos, e melhor compreendi no dia seguinte.

Tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) em 1985 como monumento natural de Niterói, a Pedra de Itapuca fica entre as praias de Icaraí e das Flexas. Seu nome significa “pedra furada” ou “pedra que ri” ou "arco de pedra", em tupi guarani. Parcialmente demolida em 1840, por ordem do presidente da província, 
 Conselheiro Pedreira, 
com fim de arruamento, abriga a estória da indígena Jurema e do guerreiro Cauby. Conta-se que, depois que Cauby e Jurema foram mortos por viver um romance proibido pela tribo dela, Jacy (a lua) pediu a Tupã que transportasse o casal para o interior da pedra, de forma que os apaixonados ficassem eternamente juntos. A pedra, tornou-se um portal.


Mas nessa noite eu vi um macaco-réptil, caso seja possível exemplificar dessa forma humanamente entendível. Pesquisava sobre muitos dados a compor a Primeira Rota Afroindígena de Ecoturismo de Base de Nicteroy. Pesquisava sobre quais locais entrariam, juntamente com sua importância arqueológica, histórico-ancestral. Pensava em como sentia vontade de ali abrir um batuque corpo-pedra-corpo e receber os saberes se por merecimento fosse.

Mas a maré estava alta .. mamãe, em sua sabedoria.

Daquilo que apenas sentimos, vivemos e entendemos, registramos sem espaço nem tempo, guardamos e perpetuamos fazeres e ritos.


É uma responsa estar de volta em casa, Niteroi. Baita responsa.


..


Atribui-se ao cronista Álvaro de Oliveira a lenda sobre a Pedra da Itapuca, símbolo de Niterói.

Conta a referida lenda que a bela índia Jurema, de olhos grandes e pele tostada pelo sol, prometida ao mais forte e bravo de sua tribo, estava na praia, quando se deparou com Cauby, de nação estranha. Desde então, os dois passaram a ali se encontrar, Jurema cantando e Cauby ouvindo, enlevado, até que foram descobertos.

Atacados os dois amantes, Cauby foi obrigado a fugir.

Jurema, ferida, nunca mais cantou.

..


    Niterói era ainda a plácida Niterói...

    Ainda não lhe tinham arrancado nem o silêncio encantado, nem a morbidez infantil...

    Era a ainda a mulher criança, ingênua, que corre pelos campos mostrando a veludínea pele sem que, por isso, se lhe incendeie o sangue, se lhe ruborizem as faces...

    Era-lhe pura a beleza, por ser-lhe beleza verdadeira, sem os adornos do homem, sem sua engenharia...

    As praias estendiam-se-lhe sem coação, até onde queriam e o chiar das ondas, confundindo-se com o cântico delicioso dos pássaros, parecia-lhe uma orquestração divina do Senhor...

    Jurema, índia bela, sorridente, segundo os costumes do seu povo, tinha já, na tribo, o seu companheiro escolhido.

    Mas certa vez, quando andava, à noite, pela praia meio clara, meio prateada pela lua, uns olhos grandes, negros como a noite, atraíram-na maravilhosamente...

    Ela notou o peito desnudo fremir pelo bater do coração, pelo sentir da alma tão imaculada quão pura!

    Mais uma noite, outra mais, e aqueles olhos tentadores e feiticeiros já a acarinhavam, já eram seus...

    Cauby, guerreiro de outra tribo distante, passando por aquelas redondezas, ouvira um cantar mais sublime que o gorjeio dos pássaros, mais impressionante que a sonata das frescas e cristalinas cascatas de sua nação...

    Tivera medo...

    Alguma sereia talvez o quisesse atrair para levá-lo ao fundo do mar...

    Fugira.

    Mas, na taba, pensando no cantar melodioso, ficara desde a noitinha até que a aurora envolvesse aqueles recantos com o seu manto cor de rosa...

    A noite, voltara e descobrira que o anjo era da terra e que a voz lhe era mais suave e mais branda que a de todas as sereias, que a beleza e o frescor lhe eram mais sedutores e mais atraentes que os de todas as virgens da sua tribo...

    Assim a espreitava, assim a ouvira cantar noite e dia...

    E uma vez, mil vezes, eles se falaram às escondidas, pelas praias formosas...

    Viu ela que o amor dedicado ao outro não era mais que amor fraternal, mas a Cauby, aquele que lhe fez vibrar as cordas do sentimento, amava tanto quanto a Tupã, o seu Tupã poderoso, muito poderoso...

    Mas o escolhido para Jurema já não a via como sempre.

    O ciúme gritando-lhe no íntimo, farejando como um cão, fê-lo segui-la numa noite de lua, fê-lo, num desatino, arremessar a flecha envenenada...

    Comovido, pela primeira errou o alvo.

    Cauby tinha Jurema nos braços, esvaindo-se em sangue, quando outra flecha vibrou no ar e o feriu no peito forte.

    - Parte Cauby. Deixa Jurema, que dela tratarão...

    Ele, a custo, abandonou-a.

    - Por Tupã, Jurema, Cauby voltará...

    E perdeu-se pelo mar calmo e sereno, como calma e serena era a noite.

    Duas feridas tinha Jurema.

    Uma no seio, outra na alma...

    Aquelas cercanias não lhe ouviram mais a voz mariosa. Os pássaros não mais tiveram quem os acariciasse.

    Cinco luas passaram, cinco luas prantearam-lhe as lágrimas...

    Na sexta, realizar-se-ia o casamento.

    Na véspera, quando o sol desaparecia quase, chegou-se à praia e soltou pelo espaço a melodia chorosa e angustiosa do seu triste coração.

    O canto lhe tinha um quê de súplica, um quê de despedida.

    E Tupã, seu poderoso Deus, a ouviu.

    No horizonte, ela distinguiu a canoa vitoriosa de Cauby.

    Veio aumentando, aumentando, até que ela correu a ele, que empurrou barco para a praia e desceu ao seu encontro, precipitadamente...

    Esperou ansiosa e ansioso se lhe chegou ele.

    - Jurema te esperou até hoje...
    - Cauby morrerá a teus pés...
    - Jurema só poderá ser tua...
    - Cauby, se teu não for, de ninguém será...

    Fugiriam mais tarde, quando a noite fosse alta e alto fosse o silêncio na taba...

    A hora marcada, dois vultos se encontraram na praia, quando, porém, tomavam o barco, cem outros abantesmas avançaram e centenas de flechas furaram o ar...

    Cauby avançou e quis reagir, mas cercado no mar, na terra, parou junto à pedra.

    O cerco se foi fechando e fechando-se foi o círculo de flechas...

    Quando, entretanto, chegaram os perseguidores, viram, com espanto, que Cauby e Jurema haviam desaparecido... Os índios rodearam, atônitos, o recife em busca da entrada...

    Era, ele, porém oco apenas para os que verdadeiramente, divinamente, e abençoados por Tupã, amavam...

    Então, desde esse tempo, a pedra se chamou Itapuca; Itapuca, ainda hoje, altaneira, poética, encantadora, quando a vaga lhe toca de leve, cicia para quem ama a história do seu lindo nome ... (3) (4)


    Alvarus de Oliveira


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