100 DIAS
Hoje, percebi que durante o período em que viver não terei mais você aos domingos.
Eu sempre tive uma coisa com domingos. Desde que saí do Brasil e deixei de cantar na missa dominical, sentia um imenso vazio e saudade de casa sempre que atardecia no último dia de fim de semana dessa contagem gregoriana.
E mesmo após a faculdade, minhas tardes de domingo eram mais pacatas, com aromas e reflexões mais internas.
Quando você preencheu minha vida e consequentemente meus domingos, era como se as cores que eu pintava e as telas que eu fazia ganhassem vida na minha vida.
Tantos foram os domingos trabalhados, quantos foram os de folga, em ano sabático do sistema capital, muito bem aproveitados e vividos.
A sensação de saber que toda matéria densa e ilusória que nos ocupa, e ao mesmo tempo nos facilita a entender que nossa alegria é tão breve quanto nossa vida terrena. E assim também é a falta, a tristeza e tudo aquilo que muitas pessoas me perguntam e eu ainda não consigo falar.
Meu olho dói na parte de trás e provavelmente seja o meu sistema nervoso dizendo "oi laisinha, tá sendo fod* toda essa mudança né?" .. quem me vê na praia, na yoga, nos treinos, dançando, correndo, cozinhando, pensa o quê?
A sensação de saber que todas as escolhas fazem parte do caminho, que não há erros, apenas acertos e aprenderes; nos facilita a compreender que muitas vezes é nossa mulher selvagem e nosso instinto a lidar com as etapas evolutivas mais profundas do estar encarnado.
Do ponto de vista espiritual, hoje, lidar com o desencarne de alguém que amamos e lidar com a nossa vida desde uma outa perspectiva exige muito centramento e coragem.
Por vezes me pergunto se em algum momento há algo a estourar ou explodir dentro de mim, e por vezes me pergunto se é assim mesmo o processo da vida, em saltos profundos no desconhecido com a confiança e a guiança superior, no comando. YUXIBU.
Minha mãe sonhou muitas destas coisas.
Nos últimos meses, ao que temos entendido TUPÃ mandou dois recados, e uma outra forma de comunicar iniciou-se.
É uma dádiva poder ter voltado pra casa.
Estar aqui em silêncio - agora não de forma tão intensa, saindo da caverna aos poucos.
Estar aqui assimilando, falando, ouvindo e compreendendo.
E retornando pra mim. E retornando pra mim. Tornando a ser, de novo.
Hoje faz 100 dias da partida de meu companheiro e algo em mim modifica 1% a cada dia, ou talvez bem menos. Lágrimas oscilam entre secar completamente e brotar como uma nascente da minha alma, diante dessa tela de computador e dessas palavras que escrevo.
Não é que seja difícil, acredito que o mais árduo tenha sido o processo de entender o que estávamos vivendo. Mas essa "palavra que ainda falta" para "descrever o que desconheço" passa pelo corpo-mente-coração como a imensidão de tudo que há. E traz paz, e tranquilidade, e choro, e saudade, e tristeza e águas, e gratidão, e amor.
Ainda não foi possível resolver muitas coisas que ficaram daquilo que era a minha vida.
E honro que jah cuide de tudo o que eu ainda não consegui cuidar.
Minha prioridade é em equilibrio voltar ao estado de reestabelecer o meu lugar na teia do todo. Ainda que eu acredite que nunca tenha saído. Ocupar novamente o meu lugar no mundo.
Minha prioridade, ou talvez a única coisa que tenha ficado seja o que sempre carrego comigo em essência: a palavra. O verbo. A linguagem.
Esse texto não traz respostas muito significativas, caso alguém me leia - ou eu mesma volte a ler (como suele suceder). Mas esse texto me acalma. Código-palavra.
E essa mudança de estado, muito tem a ver com transmutar estados. Ser humana. Estar. Comunicar.
Alex foi presente de equilíbrio yin-yang. Não existe nada completamente ou absolutamente yin ou yang no universo. Todos nossos momentos eram em co-relação. Um se transformando no outro. Ciclicamente e independentemente. Um cuidando do outro. Um aprendendo com o outro.
(e como eu aprendi)
Olhando no mundo das manifestações - tão impermanentes, não há de fato como separar os mistérios da complexidade espiritual que vivemos, da matéria.
O caminho do meio é de fato, entrega, leve, dual, e bem interessante.
Experiências subjetivas, dizem.
Eu, enquanto aqui estiver, respiro e apenas agradeço.
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