UM OLHAR BRASILEIRO DOS PROTESTOS VENEZUELANOS

Bombas, tiros, gás lacrimogêneo. Correntes de aço e cadeados que trancavam os portões dos condomínios para restringir a circulação de seus moradores. Racionamento de luz. Corte de água. Suspensão dos contratos de internet. Sinais de TV (aberta ou fechada).
Essa é a realidade três dias após a minha chegada.
No primeiro dia, de manhã cedo, na padaria mais próxima não havia pão. Me olhavam estranho porque eu usava chinelo e um casaco vermelho. Um tempo depois eu entendi.

Pensei "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come".

Quando se é brasileiro, e vai pro exterior, muitas crenças limitantes são quebradas, logo dentro do avião. Sobre sua cidade, seus costumes, seu estado, seu idioma, sua cultura. Certo e errado.

Quando se é latino americano sem perceber-se latino, muitas informações não são acessadas.

Vinha do Rio de Janeiro nessa mesma semana. Se recordarmos um pouco os meses de Junho e Julho de 2013, um pouco antes da JMJ, podemos relembrar o quanto a cidade sorriso estava destruída. Pneus queimados, ônibus sequestrados, monumentos destruídos, muros pixados, caixas eletrônicos saqueados. E tudo isso devido a uma minoria (contratada e muito bem paga) que estava "manifestando", ou melhor dizendo, sabotando tudo que sempre paga do seu proprio bolso. VÂNDALOS, esse é o nome dado a esse tipo de pessoa. Aqui os TUPAMAROS fazem toda essa parte de vandalismo. Os estudantes e acadêmicos que sao 90% dos manifestantes aqui, se colocam nas principais avenidas com bandeiras, faixas e tudo o que possa expressar seu descontentamento com o governo. E esse por sua vez mata, fere, e prende em carcere privado aqueles que exercem seu direito de expressão. Nada aqui está tão diferente das coisas que já vi no Brasil. A diferenca é há quanto tempo essa situacao rola, e toda sua circunstância.

VALE REGISTRAR QUE A PAISAGEM, OS ENSINAMENTOS, AS PESSOAS, A ALEGRIA, O LUGAR, A FORMA COMO OS POVOS ORIGINÁRIOS ME ENSINAM, E TUDO O MAIS, COMPENSAM E MUITO TODAS AS VIVÊNCIAS AQUI RELATADAS.

Aqui as pessoas sabem lidar com as coisas. Ou tiveram de aprender. Nao exibem suas conquistas e o melhor: tratam a todos de maneira igual. E nao só aos iguais de maneira igual.
Dizer que ja amo Merida pode parecer um pouco precipitado, tendo em vista tudo o que a cidade passa nesse momento. Mas aqui ja aprendi coisas que nao tinha aprendido em 20 anos de vida. Aqui o amor se prova primeiro pela dor, e depois pelas alegrias. Estar vivendo aqui durante essa etapa de mudancas com certeza ja me faz valorizar tudo de bom que esta por vir. 

 A FE NA VITORIA TEM QUE SER INABALAVEL. pacienciacomostecladosemtil


Tô pronta mundo.

// edit.2020 //

Quando se é latino americano percebendo-se latino, muitas informações são acessadas.

Com vinte e seis anos a pegada é mais de responsabilidade. O que fazer com todas essas vivências? Como enumerar tópicos, títulos, registrar e informar tudo isso com a consciência da palavra?

Lembro que logo no primeiro semestre da faculdade uma das disciplinas era História da Venezuela. Que mais era uma contextualização de tudo o que tinha rolado desde a época dos colonizadores, passando pela ERA PRÉ COLOMBIANA, até a ruptura de governos, chegando aos "dias atuais".

Entender hoje o que é um ESTADO SOBERANO e a forma como esse país vem sendo usurpado em si mesmo durante tantos anos é surreal e transformadora. Entender a sociedade do consumo é libertador. É o dar-se conta. Você não consegue mais apenas "viver a vida porque as coisas são assim mesmo". Você passa a escolher ser agente de transformação.
Verifica pra onde vai o seu dinheiro. Quem é sua rede de apoio e sustentação. Quais são seus alimentos base. Quais são seus valores. Seus ideiais. O que de fato a gente precisa. E o que não acrescenta.

É como lutar pela causa Palestina. Ao meu ver não há como não lutar.

Ainda que sejam comparações extremas, pois novamente, são outros contextos e circunstâncias. Mas tanto a Venezuela quanto a Palestina precisam que as pessoas se questionem, se posicionem, recebam a informação do que se passa (e não apenas por veículos televisivos).

Queria eu que não estivéssemos em pandemia, para que agora, um pouco mais livres do sistema capitalista, pudessem ser sugeridas e criadas rodas de conversas, nas escolas.
Queria eu que não estivéssemos em pandemia, para visitar meu afilhado venezuelano que está aprendendo a falar - e ensinar pra ele meu português.
Queria eu que não estivéssemos em pandemia e que milhares de pessoas não estivessem morrendo a cada dia, num cenário absurdo, onde nosso governo atual, em contraste com o resto do mundo não toma medidas cabíveis para um menor impacto desse vírus no território brasileiro.

Queria que seis anos depois a Venezuela tivesse progredido, pelo menos um pouquinho, em sua libertação.

Queria eu um #forabolsonaro daqueles bem alinhados com os crakras, numa técnica de respiração incrível que aprendi hoje pela manhã.


Queria pautar possibilidades das discussões que devam ser o espírito do nosso tempo.


Criar condições materiais necessárias, dentro dessa matrix, para que todo tipo de opressão, em todos os países, deixem de fazer sentido.

Talvez por isso eu escreva. Para que essas vivências possam ser lidas, pensadas e escutadas por pessoas que há anos eu já nem vejo; mas que deixam sua importância por colaborarem com a criação desses conteúdos em mim, ou por precisarem criar esses conteúdos em si.

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