OBSERVAR E ABSORVER + FERIA DEL SOTO ROSA, VENEZUELA

"Eu não quero vencer na vida. Eu quero viver. Essa ideia de vencer na vida é um inferno. Coloca meus irmãos como meus adversários, meus inimigos. Eu não aceito isso. Eu não quero ser melhor do que ninguém. Se eu for melhor do que você em alguma coisa, você é melhor que eu em outra. Não existe um ser melhor do que o outro. Existem atitudes melhores que atitudes. Ideias melhores que ideias. Mas pessoas melhores que pessoas, não."
                                                                                                                                         Eduardo Marinho


Quando me vi nessa imensidão que somos e percebi o lugar de autoobservadora que ocupava dentro da minha própria existência, conheci o trabalho do Eduardo. Quase que de forma não-linear. Simultânea. Necessária. Assisti com atenção e pela primeira vez ao ouvir sua fala, pensei que aquilo ali, a verdade dele, não era uma verdade apenas dele, mas sim pensamentos vindos de algo muito maior, que todos nós em algum momento da vida vamos acessar e perceber as mesmas questões: de tempo, de vida, de escolhas, da impossibilidade de limitar ou colocar nome ao que chamamos de Deus, as injustiças, a geografia desse planeta que habitamos, as tomadas de decisões, o silêncio. Talvez não dessa mesma perspectiva. Mas entendendo de forma gradual os processos. Hoje em dia estamos numa fase das #hashtags, uma velocidade de discussão bem diferente de quando eu comecei essa ideia de escrever "nesse lugar internet" onde a gente passa tempo até por demais.

A escrita curativa tem me auxiliado de forma inenarrável.

Primeiramente comecei assistindo a alguns documentários, temas que me chamassem a atenção, minha ideia era registrar minhas considerações, aquilo que eu aprendesse num caderno. Logo eram dois cadernos. 

E depois comecei o resgate dos sonhos.


E de lá pra cá são dois anos com uma consciência sendo remexida e expandida. Sinestesia. Muitos processos. Descobertas. De dentro pra fora. Exponencialmente. E decisões.
Da menor até a considerada maior delas.

Percebi que em todos os momentos, nos lugares onde morei, sempre estive justamente, observando e absorvendo. 

Como uma esponja. 

Reativar e acessar a pessoa que sou, através do que escolho vivenciar a cada dia, através da (re)leitura de textos e pensamentos de alguns anos atrás, de quem eu era, talvez seja uma experiência de análise que nem eu sabia que me colocaria. Ou que fosse possível.
Quem era aquela eu, ainda estou descobrindo. O fato é que revisitar esses sentimentos, essas experiências, também é, novamente, experienciar - acho que estou usando muitas vírgulas.

Me perguntava o mesmo há um mês atrás, também lua nova, quando voltei a escrever.
Pra quem? Por que?


Eu sabia que a Venezuela era um Estado que vivia em ditadura. Mas confesso que não entendia o que isso significava, à epoca. Não entendia de restrição de direitos. Vivi nessa sociedade por três anos e meio. Sob esse regime ditatorial. Vi uma amiga, professora de português para estrangeiros, ser apenas mais uma entre os desaparecidos do Estado. Rosa deixou uma carreira na Universidad de Los Andes, casa, carro, alunos, amigos, saudades. 
Mas no coração e na lembrança de cada um você sempre permanecerá.
A você dedico sempre a etimologia das palavras:


ditadura
do latim dictatūra, substantivo feminino
se refere a um tipo de governo autoritário exercido por uma pessoa ou por um grupo de pessoas, com supremacia do poder, na esfera do executivo, e em que se suprimem ou restringem os direitos individuais, e o acesso à informação. Uma ditadura militar ou regime militar é uma forma de governo autoritário onde o poder político é efetivamente controlado por militares. Atualmente, a expressão ditadura serve para designar os regimes de governo não-democráticos ou antidemocráticos, em países onde não há participação popular, ou onde isso ocorre de maneira muito restrita, ou manipulada.


Viver nessa sociedade que acordava às quatro da manhã, em dias pré determinados pelo governo, sem importar sol, chuva ou frio, de acordo com o último número/dígito de seu RG, para poder ter "acesso" a um supermercado e então verificar que produto havia naquele dia.
Eu me alimentava bem. Aprendi a me nutrir. De forma orgânica. Logo no início excluí a carne. Primeiramente pela qualidade duvidosa e por ser um item de "luxo" - muito caro, e por saber que pelo extenso racionamento de luz, as geladeiras e os frigoríficos ficariam por horas desligados.
Depois entendi, que a carne, produto morto, bicho industrializado e cheio de veneno não era o que o meu corpo precisava.

Comprava todos os sábados numa feira que ficava a "cuatro cuadras" da onde eu morava. Feria del Soto Rosa. Sem ter noção de tudo o que viria nos anos seguintes eu já comprava de produtores locais, agricultores, pessoas que giravam a economia local. Já comia sem agrotóxicos e pagava mais barato. Já não gerava tanto lixo. Já não contribuía com meu dinheiro às indústrias, já não pertencia ao sistema ao qual antes nem percebia que existia.
Foi uma des-conexão ingênua e simples, não imposta, e sem sofrimento, que a vida me presenteou.
Mérida é uma cidade fria, de montanhas, rica em batatas, grãos, raízes, turismo e música. Rica de pessoas que te oferecem tudo o que tem. Que te ensinam a partilhar.


No ano em que fiz serviço comunitário no Teleférico Mukumbari e estudava como o turismo ecológico poderia ser melhor aplicado nas comunidades dentro daquele setor, e a relevância que esse projeto teria ao atrair mais e mais turistas para a cidade - com a supervalorização e inflação do dólar no território Venezuelano - e a relevância que esse projeto teria na minha vida, e no desenvolvimento do meu trabalho de conclusão de curso da faculdade, que veio no ano seguinte; o Rio de Janeiro passava por um momento histórico: "VEM PRA RUA!", quem lembra?


Há alguns anos atrás eu fiz um texto aqui. E há alguns anos eu deveria ter voltado aqui pra dizer que eu não entendia o que isso significava. Mas o tempo é agora.


Mesmo tendo feito parte do grêmio escolar na escola, na época do Magistério no Instituto de Educação Clelia Nanci em São Gonçalo, mesmo tendo pertencido à rede pública de ensino. Mesmo com todas as atividades extra curriculares e o envolvimento social. Ainda que eu tenha organizado desfíle cívico, sido estagiária e professora de várias escolas municipais, estaduais, e do centro de detenção juvenil.
Ainda que eu tenha sido canal de alfabetização para crianças, jovens e adultos. Ainda que eu viesse de uma comunidade. Ainda que participasse fervorosamente na igreja católica e fosse testemunha de milagres reais. Mesmo que fosse parte de uma juventude de trezentos jovens, numa paróquia, num bairro simples, mas que movia céus e terras, e almas.
Que sobreviveu a grandes sóis e grandes enchentes. 
Ficava claro como a política de fato, não era falada no meu mundo, no meu meio, pra mim, pros meus, numa linguagem que incluísse e envolvesse. Que tudo era política.
Foi onde eu linkei tudo. Que todas as outras pessoas também não tinham acesso. Que a política não chegava.

A felicidade começa com a fé: no amor, na possibilidade da harmonia, na importância dos laços, na força da razão, no poder so sentimento, no sentido da vida, na transcendência e na justiça. No acesso à informação. No conhecimento que liberta.


Com o passar dos anos, a Cidade de Mérida e a palma da minha mão eram parecidas. Eu falava "gocho", tomava merengada com canela em pó no mercado principal. Caminhava e conhecia praças, montanhas, praias, pessoas, ritmos, comidas, aeroportos e terminais rodoviários, e museus que nunca fotografei, nunca postei nos stories, e que hoje, não sei se ou quando, poderei visitar de novo.
Era um tempo não muito longe de agora. Que parecia passado e só agora é.

Não existia essa profissão "influencer", nem hashtags, nem pandemia. 

Existia "a dieta de maduro", as ocupações militares, os protestos, as mortes aos estudantes universitários, e a toda pessoa que não estivesse de acordo com esse regime. E em dois mil e quinze eu pensava que aquilo ali era socialismo. Que socialismo era ruim. Ora, olha o que aquele povo passara há anos e anos, escravos de apenas duas formas de pensar: os apoiadores (Chavistas) e a oposição ao governo.

Escravizados no acesso à informação, à eletricidade, como dito anteriormente, à liberdade de expressão.
Escravizados no acesso à alimentação, aos diferentes preços de alimentos no mercado informal.
Escravizados midiaticamente, com infiltrados em várias esferas, em grandes patentes/empresas/universidades/indústrias.
Escravizados e sofrendo segregação de gasolina, água potável, remédios, itens de primeira necessidade como papel higiênico.
Escravizados pela manipulação das aprovações nos concursos públicos. Aprovação por "rede de contato".


Essa vivência me ensinou muita coisa. A ancestralidade que gritava na receita de cada abuela, que me ensinava, como as pequenas escolhas de cada um de nós está diretamente ligada a tudo, e como isso pode levar um país inteiro à ruína - e colocar loucos no "poder".


A importância da paciência. Da persistência. De perceber os ciclos. De concluir as coisas.
Há um mês eu pontuava tudo isso num caderno. Dia vinte e dois de maio, também lua nova. E agora cá estou aqui, colocando meus pensamentos nessa rede intelecto-digital.


Quero registrar todos esses aprendizados, não para que você concorde comigo, mas para que você possa saber, e pensar. Para que essas vivências tenham ainda mais sentido. Para que sejam novas narrativas.
Do lugar de onde vim, das periferias que vi serem ocupadas antes e durante as UPP's, e a forma como essa noção de mundo, tão limitada, não chega. Dos lugares por onde passei, as culturas que aprendi, e como isso tem o poder de forjar não só a minha personalidade, mas a persona de qualquer um que se perceba cidadão do mundo.

Vamos imaginar por um momento os temas que são abordados dentro de nossas casas, nas novelas, nos filmes, nas escolas. Vamos tentar puxar na memória, os conteúdos dessa grade curricular. Vamos fazer um "exame de consciência" a tudo que repetimos para nós mesmos, e para as crianças com quem convivemos (sejam filhos, sobrinhos, primos, alunos, vizinhos, os menines de alguma vivência)


Se nós somos a média das cinco pessoas com quem a gente mais convive, ou a média dos conteúdos que a gente mais consome, será que se nos comprometermos a falar sobre o que importa, a trazer esses temas e escutarmos mais para sermos humanos melhores, para entender o que acontece dentro da gente, pra falar sobre as emoções e os sentimentos, sobre autotransformação, para entender o que acontece com a minoria (que dependendo do ponto de vista é na verdade a maioria) - e ser de fato seres responsáveis por fazer diferente, não estaríamos finalmente tratando temas atemporais e sendo agentes no processo de evolução da história da humanidade?

Não seriam essas as pegadas que queremos deixar? Não é assim que queremos ser lembrados?

Será que dentro desse "novo normal" não seremos nós os primeiros a aprender, pra ensinar, e assim ir reverberando as mudanças que a gente tanto quer ver?


Há alguns anos atrás eu pensava que expor o que vivia, ou o que pensava, nas redes sociais era irrelevante. Sempre fui do pensamento que "se preocupar demais em registrar é na verdade deixar de viver o momento na sua totalidade" ou "quem irá ler textos tão grandes né" .. mas hoje, vejo que a sociedade de consumo literalmente CONSOME e nos estimula a que sigamos sendo consumidores natos. Numa velocidade ímpar.
Vejo que essa mesma sociedade de consumo nos estimula a externalizar, a exibir de certa forma tudo o que temos.
Não quero ser parte disso. Não faz parte daquilo que sou ou aquilo que quero me tornar (esse tipo de exposição). Não é a vida que quero para mim.

São fortes afirmações.
Mas qual o peso real disso?

Encontrei diversas fotos dessa época, de quando morei em Mérida. Revisitei o google drive e pensei: esses registros parecem aquela coleção de adesivos que nunca usei.
Não quero viver com cartelas de adesivos guardadas. Quero acessibilizar todos os meus "adesivos" e viabilizar todos os selos, todos os conteúdos que não chegam. Quero facilitar novas narrativas. Talvez alguém aprenda alguma coisa a partir disso porque no mínimo eu, imersa nessa sociedade, continuo aprendendo.


Parto do princípio que a comunicação com um idioma estrangeiro deve acontecer desde a primeira infância, quando aprendemos também nossa língua materna, nosso idioma nativo, nossas raízes. Contextualizar a cultura para acessar o mundo todo, de maneira mais ampla. Sem elitização ou limites de horizontes. Respeitando os povos originários de cada continente. Aflorando pensamentos, construindo realidades.


"Temos a capacidade de infundir energia e reforçar a vida, sem atrapalhar o que vai morrer."


Pelo desmonte do sistema. Pela educação que emancipa. O não armamento, a não militarização. A nenhuma forma de exploração. Pelo poder de conferir essas reflexões na prática. E por tudo que começa na prática.

É louco pensar como a ignorância sobre diversos assuntos vai se perpetuando com o passar do tempo. Nos ensinam por exemplo que devemos ser competidores, quando na verdade a vida não é sobre isso, e sim sobre o que fazemos do nosso lugar de privilévio.
Seja ele de berço ou conquistado.
Vejo muitas pessoas vivendo a prosperidade tão sonhada.
Sim, brancos.
Vejo muitas pessoas ainda se esforçando bastante para alcançar algo próspero.

É necessário que cada um VEJA e enxergue o seu lugar, o lugar em que se está, e saia dele.
Crenças limitantes nos fazem por vezes escolher, quem são os que "merecem" isso ou aquilo.
Todos somos merecedores. Todos estamos aqui aprendendo, e todos podemos mudar toda e qualquer realidade.

Quando percebo a vida em evolução. Quando percebo todos os processos, todas as oportunidades. 

Observo e absorvo. E cresço.

Estou Lais, e assim refleti e escrevi.
Que essas palavras possam ser novamente lidas e melhor compreendidas por mim, e por todos aqueles que através de mim, com as palavras se conectarem.

AXÉ!

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