QUEM SOU EU (o que o ego nos faz pensar o que vivemos de fato)

Se minha intenção fosse escrever um relato simples e direto sobre minha vida até agora, a versão recortada poderia ser esta: meu nome nesta vida é Lais, nasci em 1994 em Niterói, a cidade mais linda do Rio de Janeiro - desde meu ponto de vista. Sou da quinta geração miscigenada da etnia Tupiniquim /tupin-i-ki/ por parte materna, da cidade de Muritiba - Bahia; e nordestina de Teresina - Piauí pelo lado paterno. Comecei a falar aos dois anos, e com cinco anos já estava lendo. Aos sete comecei a cantar nos "Canarinhos de Jesus", e aos nove percebi minha fala, bilíngue.
Tive uma adolescência intensa. Bem vivida.
Cursei Magistério. Técnico em Administração. Pré-militar. Sempre fui atuante na igreja católica, que me ensinou sobre amor, caridade, fraternidade e fé. Era do grupo jovem, da pastoral da juventude, da pastoral da crisma, da pastoral dos músicos, e por fim realizei um voluntariado como tradutora na JMJ RIO 2013, um evento com o Papa que desencadeou minha percepção como cidadã do mundo, e que mudou tudo - ou deu início a tudo.
Aos dezoito organizei uma viagem de três meses para a Venezuela, e acabei ficando três anos.
Quando decidi ir pra lá não imaginava que fosse me encontrar ali.
Cursei Turismo. Voluntariei no Teleférico Mukumbarí.
Escrevi um TCC. Fui estagiária num hotel alemão, no sul do Brasil.
Me mudei para a Colômbia.
Pagava aluguel vendendo bolo de cenoura, brigadeiro, beijinho de côco. Dando aula de potuguês para estrangeiros.
Aí defendi minha tese. Me formei em Turismo.
Retornei ao Brasil.
Me mudei para o Rio Grande do Sul a convite de uma empresa. Ocupei um bom cargo, alta responsabilidade e demanda. Fui feliz ali.
Tive uma pancreatite. Percebi minha alimentação. O corpo que habito. Percebi o todo. Quer dizer, a pontinha do iceberg.
Sempre digo que danço, canto e nado, faço salvatagem, mas ainda não sei surfar - nem sapatear. Logo aprendo.
Gosto de entender o tempo como arte, e a experiência vida como breve.
(tempo passa rápido nessa dimensão, né?)
Toco ukulele - que inclusive ganhei de aniversário em 2017, de uns amigos colombianos.
Sou facilitadora de idiomas e dou umas aulas de idiomas bem diferentes.
Amo circo, me arrisco na palhaçaria, pratico umas asanas, e atualmente leio e projeto sobre permacultura e bioconstrução, numa sociedade do bem-viver com novos paradigmas vibrando na abundância e no que podemos fazer pelo nosso tempo, HOJE.
Acredito nos movimentos coletivos REAIS, inclusivos, e na forma como reagimos às coisas. Acredito em propósitos e em sincronicidades.
Acredito na inteligência das inteligências, e no que podemos fazer pelo outro honrando o TODO que somos.

Freud explica que no cérebro de todo ser humano mora o componente da personalidade composto de energia psíquica inconsciente que trabalha para satisfazer impulsos básicos, necessidades e desejos. Nosso amigo pouco conhecido e muito utilizado: o ID.

Freud nos apresenta o ID como a única parte da nossa personalidade que é totalmente inconsciente, onde se escondem nossos pensamentos mais ogros. Assim como um vilão de história em quadrinhos, o ID não conhece freios morais nem dá bola para a ética da sociedade.

Hoje pela manhã fui ao lago aqui na cidade pedalar e fazer minha série de abdominais - talvez pelo físico, talvez pela ansiedade - o fato é que abdominal é terapia gratuita.
Quando já estava terminando o treino conheci a três venezuelanos e como todo latino quando se encontra a gente se abraçou e ficou feliz por aquele momento em que nos reconhecemos uns nos outros e compartilhamos de memórias a respeito de um lugar que a todos faz aquecer o coração.
Enquanto voltava pra casa e pensava em escrever, refletia sobre o ID.
Sobre como quase não fui pedalar. Sobre como por quase um segundo quase me sabotei.
Ouço "Por Quase Um Segundo", do Cazuza.
Penso em como aqui é um bom lugar para se viver.
E penso sobre quando eu acordava às 5h da matina pra viver a vida da minha adolescência: estuda de dia, trabalha de tarde/noite. Pega ônibus pela cidade grande. Come na rua (muitas vezes marmita da mamãe - a melhor hora do dia). Daí compra algo numa lojinha. Parcela naquele primeiro cartão de crédito.
Ops, pulei a parte "ser seguida na loja" ..

Falar de racismo estrutural e como a gente não sabe nem quem é essa tal "estrutura" me parece desafiador mais ao mesmo tempo fácil. Talvez por não ser um assunto novo pra mim.
Nascer em 1994 tem seu valor quando a gente coloca numa linha do tempo tudo que a gente aprende, enquanto sociedade, e como sem perceber, reproduzimos comportamentos que invadem o direito de ser do outro desde séculos e séculos e diferentes formas de julgamentos, seleção do "joio e do trigo", e segregação de conhecimento e de saber.

Há muito indígenas e pretos foram descolonizados, deslocados e despolitizados.
Escravizados.
Enganados.
Vendidos.
Maltratados.
Violados.
Nos ensinaram com violência que não podemos chegar a lugar algum. Que temos sonhos "grandes demais". Não podemos sonhar - isso é luxo.
Temos contas pra pagar, remédios pra comprar, comida pra colocar na mesa - todo mês.
Não nos ensinam sobre poder, nem política, e nos dizem que somos minoria. Fracos. Mente pequena, "um merda". Quantos já não ouviram isso?

Mas tá todo mundo perdoado, porque afinal niguém tem culpa real na educação que há milhares de anos vem defasada.

O racismo está estruturado de diversas formas, dentro da periferia, e antes mesmo das comunidades (os bairros) virarem favela.
Quando meus pais se casaram, e escolheram onde iriam construir uma casa, essas crenças e realidade de certa forma já iam se formando ali.
O que a gente repete ao longo dos anos, todo dia quando a gente acorda, é justamente aquilo que nos ensinaram.

Se perceber ser pensante dentro da possibilidade de ser agente de mudança, já que somos MAIORIA, é a última coisa que esse sistema que nos governa deseja que a gente faça.
Essa necessidade de sempre precisar provar que é bom, que é do bem, que é correto, e que vai fazer o certo, essa eterna dúvida do caráter do preto - trocar ou não de calçada numa situação cotidiana que possibilite desconforto? Desconforto pra quem?
Tudo isso está estruturalmente dentro de cada um na sociedade, hoje.

O quanto sempre imploramos por uma oportunidade e batemos na porta de cada uma delas deve ser proporcional às oportunidades que oferecemos às minorias. 
Nosso trabalho vai refletir no quê?

Todo processo pelo qual passamos é parte do que precisamos atravessar para uma evolução.
Vejo todo esse tempo pandêmico como uma grande regeneração de Gaia, é a consciência planetária se elevando - e assim como em muitos outros momentos da história da humanidade - a evolução vem com a dor, com um vírus ou com uma guerra.
Cada um é peça fundamental nesse grande quebra-cabeças e a forma como cada um encara e se envolve com esse processo, com essa parte da jornada, impacta diretamente nessa transformação global.

É um processo longo, que nem começa e nem termina conosco, e sim passa por nós.
Caminhamos desde um lugar, com nossa maletinha de memórias, acessos, medos e sonhos, onde vemos apenas uma parte. A pontinha do iceberg.
Se olharmos com mais zelo, quizás vejamos nossas ações. Onde elas respingam.
E se nos sensibilizamos, então nos responsabilizamos por elas.
Nesse processo de ciclos de vida-morte-vida me vejo como uma caixinha de surpresas.
São memórias e registros do início do que seria a transformação da pessoa que sou hoje.

A maneira como com o passar do tempo somos capazes de enxergar que fizemos o melhor que podíamos com a informação que tínhamos naquele momento. Autotransformación. Autogeneración. Autosatisfacción.

"Se você se voltar para fora a jornada é infinita. Se você voltar pra dentro, é só um momento. A única saída está dentro."


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