LOS NEVADOS
20 de Março de 2016, Venezuela
Vinte de março é o dia que antecede o aniversário do meu irmão mais velho. E esse dia é sempre acompanhado de muita mística. Onde quer que eu esteja, sempre estou aprendendo alguma coisa e celebrando a vida.
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Partindo de Mérida, a viagem começou antes do dia clarear.
O ponto de encontro era a Plaza Las Heroínas, em frente ao bar La Botana (um dos meus favoritos) onde um Jeep no maior estilo "rebelde andino sem causa" nos levaria (um grupo de oito pessoas) a descobrir que tínhamos sim muitas causas para sermos uma juventude universitária rebelde lutando a favor - ainda que talvez eu mesma não pudesse assimilar toda a importância daquela vivência num fim de semana só.
O ponto de encontro era a Plaza Las Heroínas, em frente ao bar La Botana (um dos meus favoritos) onde um Jeep no maior estilo "rebelde andino sem causa" nos levaria (um grupo de oito pessoas) a descobrir que tínhamos sim muitas causas para sermos uma juventude universitária rebelde lutando a favor - ainda que talvez eu mesma não pudesse assimilar toda a importância daquela vivência num fim de semana só.
A carretera até ali é marcada por caminhos tão estreitos que te dá uma certa dúvida se de fato você irá chegar ou se será uma daquelas viagens onde o percurso es la propia enseñanza.
Logo na chegada o povoado de "Los Nevados" tem uma vista pintoresca: casinhas que remetem a uma vida pacata e tranquila, estradinhas de chão batido e vegetação rica, flora e fauna regada a ares puros e o privilégio de se ter, independente de toda a situação política e econômica da Venezuela, um paraíso onde se refugiar e entrar em contato com o que nosso coração só vê quando a gente desacelera: a herança dos povos que viveram aqui durante tantos anos, e as silhuetas dos Andes e toda sua imponência em uma natureza que toca nosso coração com tudo aquilo que agente precisa sentir e saber para viver e conviver sendo humanos melhores.
Los Nevados é um território dos povos originários, considerado reserva da biosfera. As resistências indígenas que ainda se apresentam ali, e que não foram exterminadas ou cederam ao minério, são um tesouro da sabedoria ancestral andina. Basta perceber seus costumes, crenças e formas de passar pela vida, coexistindo.
No caminho até chegar al pueblito vi cachoeiras, grandes plantações de agricultores da região dos andes, vi fraijelones, vi nativos com suas lindas bochechas rosadas, vi "perros del páramo", vi as montanhas mais altas da minha vida bem de perto - e vi meu estômago ser embrulhado a cada curva. Algumas paradas de segurança eram recomendadas pelos que estavam acostumados a fazer aquele trajeto. Quando você está nas cordilheiras, nas primeiras vezes a altitude pesa bastante, e a cabeça sofre uma pressão como o início de uma enxaqueca que não passa, e isso é o que eles chamam de "mal de páramo" .. quando a altura faz que o nosso cérebro oxigene mais lentamente e a gente tenha um pouco de tontura. A cada parada eu verificava se minha cybershot última geração do momento ainda teria bateria ao ponto de me deixar registrar aquelas mirações tão ricas e aqueles lugares tão cheios em si.

Na foto não dá pra ver muito bem, mas ao lado direito, uma espécie de encanamento sutil, viabiliza a água para a casa mais próxima dali. Mal sabia eu que com o passar dos anos estaria imersa em conceitos como captação consciente de água de afluentes, captação de água da chuva, existir de maneira consciente, regeneração através de agroflorestas, e permacultura de maneira geral. Mal sabia eu que em alguns anos mais tarde, a Venezuela sofreria de escassez de água em todo território nacional
Hoje parto do princípio que viabilizar o conhecimento, e ser agente de transição na formação de seres humanos que estarão dentro dessa "nova sociedade" desse "novo normal" ou dentro de "grandes empresas" seja o caminho para abrir espaço para novas narrativas e pautas inadiáveis como a economia regenerativa e o baixo impacto no co-existir humano em relação com as outras especies que dividem esse planeta com cada um de nós.
O Jeep deixou a gente no centro da mini-cidade, que possuía umas cinco ruas no máximo, e indicou algumas pousadas onde poderíamos nos hospedar. Algumas delas incluíam café da manhã, outras não. Nenhuma possuía internet ou aquecedor (e essa foi a MAIOR vantagem). Caminhando um pouquinho logo se é abordado por locais que oferecem ajuda e também passeios a cavalo, bem como um incentivo a que você escolha a pousada de sua família. Lembro de um menino de no máximo uns nove anos que logo quando me viu arriscou: "você é da Bolívia? Peru? Colombia?" .. e para a sua surpresa eu era (sem cara ou mesmo sotaque) carioca da gema hehe
As perguntas seguintes foram: e você conhece o Neymar?
Respondi negativamente.
Já foi ao Maracanã?
Só para um show do RBD.
O que é RBD?
Silencio. Respiro.
Me sinto uma boba feliz. Minha própria criança interior personificada ali, naquela charla, falando desde um mundo infantil que ainda existe em algum espaço-tempo.
Me sinto uma boba feliz. Minha própria criança interior personificada ali, naquela charla, falando desde um mundo infantil que ainda existe em algum espaço-tempo.
E ele continuou: quantos dias você vai ficar? Já escolheu sua pousada? Você sabe andar a cavalo? Eu posso te mostrar como é. Eu sou o guia.
O Rio de Janeiro é grande ou é pequeno? Você já foi na praia?
O Rio de Janeiro é grande ou é pequeno? Você já foi na praia?
Você gosta do mar?
Gosto tanto que nem sei como vivo sem ele todos os dias. Respondi.
E sabe, vou ficar aqui o fim de semana todo!
E acabei de escolher a minha pousada!
Pronto. Conexão imediata.

Gosto tanto que nem sei como vivo sem ele todos os dias. Respondi.
E sabe, vou ficar aqui o fim de semana todo!
E acabei de escolher a minha pousada!
Pronto. Conexão imediata.

Com um anfitrião legal assim e com uma vista dessas, não foi nada difícil tomar essa decisão.
A acomodação era de COB, possuia banheiro privativo, na cama de casal muitos cobertores de lã natural e a janela tinha a mesma vista dessa foto. Decidi ficar ali. Os ombros já cansados da mochila, a vontade de una sopita e o valor do pernoite era muito convincente - Bs 5.000 la noche con desayuno. Depois de sentir o lugar e sua energia, e tomar o banho mais frio e mais gostoso do mundo (renovador de espírito), fui caminhar e entender melhor como era a vida ali, naquela tarde.
Ali estávamos em outro tempo. A cidadezinha possui um estábulo, dois restaurantes, uma delegacia com cherife, um meio de transporte que viabiliza os acessos no povoado, e alguns guias de montanha que viabilizam o trekking. Los Nevados, é uma cidade fundada em 1591, localizada no Parque Nacional Sierra Nevada, em Mérida, -Venezuela, há 2.710 metros sob o nível do mar. Cariocas passam bem rs
O parque cruza território com a Colombia, ao norte, criando um grande caminho de conexão e beleza entre um lugar e outro. E entre uma montanha e outra há um verdadeiro elo de mistérios e descobertas de uma etnia a outra.
O parque cruza território com a Colombia, ao norte, criando um grande caminho de conexão e beleza entre um lugar e outro. E entre uma montanha e outra há um verdadeiro elo de mistérios e descobertas de uma etnia a outra.
O fato de ser sempre tão difícil encontrar essas informações no meio acadêmico, só confirma o quão valiosas elas são. A noção de vida e de todo que nos invade ao acessar esses conhecimentos, da forma que o fiz, libera a centelha divina que há em cada um de nós, para compreender tais mistérios e se encantar com as descobertas. Os manuais didáticos e os livros, ainda tratam os indígenas, sua sociedade e seu papel na história, a partir de formulações esquemáticas, pensamentos retrógrados e usurpadores, baseados em pressupostos ultrapassados. Baseados numa "colonização" quando na verdade o que houve foi uma "invasão".
O público leigo, sem conhecer mais a respeito dos costumes e tradições originárias da Terra, está diante de um abismo cultural e terá que se contentar com um ensino ainda raso, preconceituoso e desinformado, independente do país - esse é um déficit a nível "Américas".
Ora, não deveria estar claro que visitar uma tribo indígena em tempos de pandemia seria a maior falta de respeito, bom senso e cuidado com aqueles povos?
(salvo projetos sociais que ali trabalham e incansavelmente resistem em apoio as aldeias e ao etnoturimo)
Ora, não deveria estar claro que visitar uma tribo indígena em tempos de pandemia seria a maior falta de respeito, bom senso e cuidado com aqueles povos?
(salvo projetos sociais que ali trabalham e incansavelmente resistem em apoio as aldeias e ao etnoturimo)
As crenças e saberes Kogui, Kariña, Wayuu, Warao, Guajira, Arhuaco, Añú, Guayquirie, Caraíbas, e de tantas outras etnias, inspiraram o “bem viver” (sumak kawsay em quechua e suma qamaña em aimara), que também pode ser traduzido como “vida em plenitude”. Este é um conceito coletivo cunhado pelos povos originários da região andina, que se baseia em uma visão ética de uma vida digna e implica uma atitude de respeito pela vida e a natureza e em estreito contato com ela.
Assim entendida, a natureza inclui tanto pessoas quanto seres vivos, e deixa de ser apenas um recurso ou meramente um lugar para habitar.
O “bem viver”, vem de uma cosmovisão indígena que se opõe à exploração indiscriminada dos bens materiais e à perspectiva capitalista do desenvolvimento e expressa uma concepção de vida que busca harmonizar a existência comunitária com a natureza e o respeito pelas pessoas.
Isso também exige que as comunidades originárias sejam respeitadas em seus direitos e que suas verdades sejam ouvidas.
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A tarde logo deu lugar a noite e como a bateria e a tecnologia da epoca não alcançavam essa velocidade de compartilhamento de informação que temos hoje, a chuva de estrelas com a qual fui presenteada nesse mesmo lugar, não foi registrada digitalmente. Em determinado momento, a dona da pousada me sugeriu um telhado bem bacana, para que eu pudesse ficar "aún más alto para ver las estrellas".
Na pousada que vocês frequentam a dona te fala pra subir no telhado???
Dito e feito. Uma alma iluminada tão qual um pleiadiano, tocava seu violão andarilho europeu, e cantarolava melodias que até hoje posso afirmar que sigo escutando sem entender muito bem do que se trata. Como num filme mágico, o que poderiam ser canções indígenas entoadas por oriundos dali, se tornou na cena mais inusitada e talvez na mais bonita: um humano que puxara Coldplay naquele cenário nem era gente mesmo, era um anjo. E num coro quase que ensaiado todos que estavam ali aparentemente sabíamos cantar: look at the stars, look how they shine for you .. and everything you do, yeah they were all yellow.
Um céu indescritivelmente desenhado pra mim, cubria nossas cabeças naquela noite.
Não quero que isso soe egoísta. Mas acredito que a sensação de ter um céu pra chamar de seu - com direito a uma estrela cadente que passa a apenas alguns metros de você numa velocidade inenarrável justamente quando você pede por um sinal que justifique que"você está onde deveria estar", e entende que sim. Feliz aniversário irmão, lembro de pensar.
Cada sinal a mim enviado é recebido com honrarias. Percebo.
Não há como não encher os olhos de lágrimas.
A cultura galáctica vem em paz. Hoje eu sei.
Naquele dia, eu acreditava que a sensação de ter um céu pra chamar de seu fosse algo que apenas el cielo de los andes, te proporciona.
Nada se comparava aquela essa sensação. Liberdade.
Hoje nada se compara a essa sensação. Pertencer ao todo.
Ser uma mistura de todos os tempos.
Na manhã seguinte para el desayuno: dos arepas, queso rallado, huevos revueltos, aguacate, jugo de naranja, café, patilla y cambur, o céu na Terra, regalo de Dios, e após o café da manhã, fui andar a cavalo.
No domingo, ao realizar o procedimento de check-out, percebo que a conta de minha estadia estava duplicada. E que os argumentos que explicavam os valores não condiziam com a realidade. Me oferecem a opção de "dejar mis zapatos de montaña" - caso não tivesse todo o dinheiro para pagar.
Explico que a questão ali não era o valor, e sim a má fé. Para minha sorte Bs 5.000 equivaliam a uns 2 dólares na época, devido a toda a desvalorização do bolívar e ao mercado informal econômico.
Explico que aqueles sapatos eram de uma amiga da Colômbia, a Marcela, que morou na minha casa quando eu tinha uns dezessete anos, e me deixou o tal calçado de presente pois não cabia em sua mala no dia de sua partida.
(no fundo esses sapatos me acompanharam durante anos, dos primeiros aos últimos acampamentos de montanhas em que estive, e até hoje estão guardados na casa de uma tia no Rio de Janeiro)
Como quem sabe com certeza o valor da honestidade pago o que tinha sido acordado 48h antes, no momento da minha chegada. Sigo. Quando você viaja sozinho você aprende bem logo no início de sua jornada princípios básicos: não se deixe ser enganado, não engane, seja justo, compartilhe, não esconda suas intenções, não cobice, não leve o que não for seu, não seja bondoso por algo em troca, leve seu dinheiro sempre com você, não exponha objetos de valor (material ou sentimental), hospede-se com locais ou em pousadas que possuam saídas de emergências, cofres e chaves nas portas. E se estiver viajando em grandes cidades verifique comunidades como o couchsurfing. Certeza de bons momentos "em família".
Como uma viajante em busca de si e de sua verdade que confia, entrega e agradece cada cosmovisão, cada vivência em suas andanças no caminho do Turismo de Base; subo no Jeep, no local e horário combinado para o retorno a La Plaza de Las Heroínas, e ignoro a metade do valor do falso recibo, que ficou "pendente" pra trás.

Há ensinamentos que não são passíveis de verbalizações. Tem coisas que você aprende no segundo em que você menos espera. Temos que estar atentos para perceber. E observar de que forma reagimos as coisas, e como lidamos com os imprevistos dessa experiência terrenal chamada vida. Como lidamos também com a verdade dentro do fluxo do dinheiro, nessa matrix.
Meu desejo é sair espalhando atlas sociolinguísticos dos Povos Indígenas na América Latina pelo mundo, e quem sabe começar com pílulas municipais e estaduais, através de projetos sociais que levem todo esse questionamento.
Gracias Los Nevados! Por el aporte a mi yo de veinte años que empezaba a conocer al mundo!
Botánica: la planta Espeletia, cuyos miembros son conocidos comúnmente como frailejones, es un género de la familia Asteraceae, nativas de Colombia, Venezuela y Ecuador.
El Turismo de Base orientado a nivel internacional a valorar, difundir y preservar las culturas, diversificando la base económica pero alentando la protección de los recursos que poseen la naturaleza y sus miembros en la comunidad local. Es la relación de respeto mutua.
Mi eterno respecto al desconocido y a la magia, a cada reflexión y a cada enseñanza inspiradas aunque yo no me considerara lista, por el Gran Espíritu.
In Lak'ech.
El Turismo de Base orientado a nivel internacional a valorar, difundir y preservar las culturas, diversificando la base económica pero alentando la protección de los recursos que poseen la naturaleza y sus miembros en la comunidad local. Es la relación de respeto mutua.
Mi eterno respecto al desconocido y a la magia, a cada reflexión y a cada enseñanza inspiradas aunque yo no me considerara lista, por el Gran Espíritu.
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