SALVADOR E SEUS ENSINAMENTOS

  
Ainda me vejo sentada nesse banco refletindo sobre como dez anos passam rápido demais quando a gente leva em conta essa "ideia de tempo" ocidental e limitada ao espaço-tempo que a gente vive. É louco pensar que meu eu de algum tempo atrás não fazia ideia de tudo o que meu eu atual estaria acessando, hoje. Fazia muito calor na Bahia nesse dia. 

Em Setembro e 2019 eu estava na Ilha dos Frades - Bahia, um paraíso natural preservado no meio da Baía de Todos os Santos, percebendo todos os dias mágicos anteriores que me trouxeram até ali.

A Ilha dos Frades guarda em si, os marcos de uma trajetória inteira - desde sua base cultural indígena até o turismo dos dias atuais. 
Com a chegada dos portugueses, no começo do século dezesseis, dá-se início o processo de colonização que incorpora aos povos indígenas originários da região, os valores e os afazeres da cultura ocidental de feição luso-romana e da cultura africana trazida pelos negros escravos. O encontro desses povos tão antigos foi fator principal na construção do Brasil que existe hoje, em toda sua pluralidade, em qualquer lugar do nosso território em que tenha acontecido - como o foi na Ilha dos Frades.

Voltar a Salvador depois de dez anos foi como retornar ao encontro dos povos antigos e aos meus próprios ensinamentos, de certa forma; de quem sou, de onde as raízes estão ancoradas, de onde vêm a minha história. E muito provavelmente aqui, é onde cruzo os caminhos para saber ao certo para onde vou nos passos seguintes desse trilhar.

Todo o trajeto é de paisagem exorbitante. Água translúcida. O percurso até a ilha é feito via barco e dura em média duas horas. Como todo lugar que vive de turismo o ano todo, a Bahia conta com guias de turismo dos mais engraçados aos mais criativos. Na praia, os locais vendem os melhores bolinhos caseiros do mundo. E tanto a porção de bolinhos, quanto o passeio, são super acessíveis.

Sempre que tenho a oportunidade, e me pego reparando no horizonte, percebo que nunca se conhece de fato o mundo todo. Ao mesmo tempo em que somos tão pequenos - apenas um planetinha dentro de uma galáxia, entre tantas outras, que tem em seu centro um sol - somos tão grandes, e tão infinitos, que nem saindo hoje com um roteiro denominado "a volta ao mundo" conseguiríamos pisar, e em profundidade sentir, o pulsar de cada lugar, de cada pedacinho desse nosso planeta, em suas belezas e diversidades.

Nos resta compreender aquilo que não entendemos, sentir o que ainda não faz sentido.


  Visualizar algo que só veremos uma vez, ou com sorte duas.
A magnitude de gaia em linha reta, em todas as direções, sem tempo e nem espaço. Sem fronteiras ou bordes. Apenas os elementos que conformam cada ser, e suas curvas, fazendo parte de tudo, do todo, e ao mesmo tempo de nós mesmos. Em várias esferas e dimensões.                                         
Estar aqui, livre, e sendo tudo isso, já é em si uma revolução.

Ora se não sou uma linda afronta de um metro e cinquenta, aos senhores feudais, que nessa mesma ilha engordavam seus escravos e os vendiam aos navios negreiros - para que em sua totalidade, esses corpos escravos não pudessem SER.
Ora se não sou aquela que eles estavam esperando. Que viria muito tempo depois com suas origens Tupiniquins e Tupinambás entender que aqui estiveram também, no início do "descobrimento desse país onde nasci nessa época agora", meus ancestrais.

A vida é incrivelmente mágica. Basta a gente perceber. Se não fazemos parte de onde estamos, se sentimos que não somos dali, provavelmente é porque não sejamos mesmo. A importância de buscar os seus, sua árvore genealógica e suas origens eu tive o privilégio em descobrir cedo, com apenas quinze anos de idade.

Mas ainda que hoje eu saiba, dentro desse conhecimento também limitado, e entenda que os bebês escolhem seus pais e as famílias as quais vão pertencer em comum acordo ao seu propósito de vida terrenal e ao contrato firmado antes de nascermos, nós, enquanto humanos não compreendemos, até que nos surja algo - uma inquietude muito específica - que nos leve a perceber.

Há dez anos atrás, quando estive na Bahia pela primeira vez não entendia porque meu coração acelerava e todas as minhas emoções dessas e de outras vidas tomavam conta de mim, e todas as mais claras decisões sobre "o que fazer" passavam em flash, em menos de cinco minutos de haver chegado e estar pisando nesses solos. Hoje percebo que não é o axé, não é o batuque, não é a identificação e o amor pelo Olodum, não é a importância do carnaval de rua enquanto patrimônio histórico e ferramenta de resgaste artístico de almas, não é sobre os rituais, sobre o catolicismo ou sobre a umbanda, mas sim a união de todos esses elementos. A união de tudo o que há, de tudo o que conhecemos e não conhecemos, de tudo o que a tecnologia disponível já foi capaz de alcançar, e de tudo que ainda é tido como "sobrenatural" ou como futuro. É a energia que reanima consciências, que nos recorda quem somos, que está em tudo.

É a opressão e o extermínio sofrido pelos povos originários, que desencadeou a história contada nos livros, que hoje, é recontada por mim. É todo o momento de dificuldade que uma sociedade passa, na história da humanidade, para elevar o padrão ao nível seguinte.

Seja na capelinha de Nossa Senhora de Guadalupe, próxima a um cemitério e a um antigo leprosário aqui na Ilha dos Frades; seja na igreja da Irmandade dos Homens Pretos no Pelourinho; seja na Igreja do Bonfim; seja fora de templos físicos, apenas observando sinestesicamente a natureza, a mensagem é a mesma:

Cada minuto de energia investida aqui, reverbera. E rende muito tempo circulando e movendo dentro da gente. Muito mais que paredes impossíveis para abrigar a perseverança e os ideais de futuro, os pretos devotos contruíram uma ponte entre a fé, a opressão sofrida, a cultura, e a alegria de viver.
Boa parte dos ritos de templos baianos, sejam eles da denominação religiosa que forem, têm em sua celebração a identidade preta, o catecismo católico romano, e a África em seus pilares.
Os olhos que marejam ao ouvir atabaques e gonguês - instrumentos do compasso do Maracatu - presentes em todos os ritmos audíveis ao longe, em solo baiano, contrastam de forma orquestrada com o sermão de um padre ou guia espiritual, homem do Senhor Jesus Cristo.
Os colares de búzios, contas atravessadas rente ao peito, parecem anunciar com altivez que a presença de Caboclos e Orixás, assim como de outros irmãos de luz já desencarnados, ou de irmãos estelares, é muito bem-vinda aqui nesse pedaço de chão batido por pés que demoraram tanto tempo para de livrar de tantas correntes.
Cada minuto de energia investida, reverbera. Faz pensar. Traz o insight.
Fé é coisa de quem sabe perceber aqueles que vieram antes de nós.

Perceber, escutar, aprender, acolher, trocar, respeitar, plantar, colher.

O axé vem em dança pelos pés e pelos corpos, por intermédio do Espírito Santo.

Pensavam construir igrejas, templos, e moldes de pensamento.

Acabaram edificando pontes para uma rota de fluxo de conhecimento universal e de convivência atemporal, que é a humanidade.

Tudo que passa pela nossa cabeça tem potencial criativo para existir. Já existe em algum lugar.
E nós somos diretamente responsáveis por criar aquilo que queremos que exista. E mais: somos diretamente responsáveis por sentir aquilo que deve ser criado por nós, com a bagagem e a experiência que temos. É só dar um passo e esse nos preparará para o próximo. Tudo está disponível.



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